quarta-feira, 22 de setembro de 2021

Crítica Cinema | Aranha

(Forte conteúdo político, sobre etapas da história nacional de um país dramaticamente dividido)


Na década de 1970, Inés (María Valverde), Justo (Gabriel Urzúa) e Gerardo (Pedro Fontaine) pertenciam a um violento grupo nacionalista que pretendia derrubar o governo de Salvador Allende. Em meio ao fervor desse conflito, eles se envolvem em um apaixonado triângulo amoroso e cometem um crime político que os separa para sempre. Quarenta anos depois, Gerardo (Marcelo Alonso) surge inspirado não apenas pela vingança, mas também pela obsessão de reviver a causa nacionalista. Quando ele é preso por assassinato e a polícia descobre um arsenal em sua casa, o caso inevitavelmente passa a envolver seus antigos aliados. Mas Inés (Mercedes Morán), hoje uma influente empresária, fará de tudo para impedir que Gerardo revele o passado dela e de Justo (Felipe Armas), seu marido. Elenco ainda conta com Caio Blat, María Gracia Omegna, Mario Horton, entre outros. Direção de Andrés Wood. Distribuição nacional da Pandora Filmes. Estreia nos cinemas brasileiros em 23 de setembro de 2021. Para o trailer, clique aqui.

Aranha (Araña)


O filme se ocupa de Patria y Libertad, organização política ultranacionalista chilena, que nos anos de 1971 a 1973 atuou de diversas formas, algumas decididamente violentas, contra o governo de Salvador Allende e seus simpatizantes. Diga-se de passagem: aquela condição ideológica não impediu a esse grupo de ter integrantes estrangeiros e respaldo financeiro para bancar suas atividades. Como mínimo, porque paira também a sensação de que as táticas utilizadas (por exemplo, o incentivo econômico em dólares aos caminhoneiros grevistas) estavam desenhadas em outras instâncias e até latitudes.


O diretor Andrés Wood tem uma posição favorável à esquerda e seus títulos anteriores assim o caracterizam. Por exemplo: Machuca (2004) e Violeta Vai Para o Céu (2011). O primeiro (que pôde ser assistido no Brasil pouco tempo após sua estreia) criticando as atitudes elitistas da classe rica e poderosa do país; e o segundo, sobre a famosa cantora Violeta Parra, de nítida posição rebelde – ou revolucionária, conforme se prefira definir. Nesta ocasião, Wood se ocupa de duas épocas da história de Chile e, em particular, de Inés, a protagonista do filme. Primeiro, como militante da citada agrupação, sendo ela jovem. Depois, como uma profissional de alto nível de vida. A edição mistura esses períodos em modo compreensível, sem maiores complicações. No início da exibição, para enlaçar ambas etapas lhe basta uma fotografia e a imagem de uma mulher; só com esses elementos quem assiste percebe de imediato o pulo na vida da protagonista, desde sua condição madura mais recente para sua anterior juventude. Porém, embora a ideologia de fundo continue a ser a mesma, nela há um relativo amadurecimento, não totalmente explicado posteriormente ou que possa ser assimilado pelo espectador.


Os diversos momentos retratados na época dos anos 1970 descrevem um país convulsionado e drasticamente dividido. Para isso, o filme evolui desde um eloquente, porém simples, contraste de imagens de jogos de crianças pobres-ricas até uma mais elaborada polarização social e cultural. Ao longo do relato, mostra enfrentamentos violentos e atitudes muito agressivas e que, de modo proposital, podem produzir inquietação no espectador. Também o perfil psicológico dos jovens que integram Patria y Libertad não é dos mais equilibrados... Incluindo a própria Inés. Sua forte personalidade, sua decisão política e pessoal não chega a ser elogiada, mas é como um caminhar pela corda-bamba, que o diretor e seu co-roteirista (Guillermo Calderón) escolheram. Por outra parte, surge a inevitável pergunta de quanto há de coincidente entre o produto cinematográfico e o acontecido historicamente. Questão também sem resposta clara, pois é difícil reconstruir com total exatidão o passado. Aliás, é até irrelevante para o cinema de ficção. Inclusive, pode-se entender que o cinema sempre é uma ficção.


Com relação aos itens técnicos, merece ser elogiada a música original, de Antonio Pinto. Um detalhe negativo é que alguns diálogos resultam incompreensíveis auditivamente, mesmo para quem conhece bem o espanhol e a forma chilena de falar. Um dos pontos mais fortes de Aranha está nas atuações: um vasto elenco cumpre muito bem com cada um dos papéis para os que foram escalados. Uma dezena de nomes tem essa tarefa, de forma idônea. Devemos destacar a atriz espanhola María Valverde (a Inés jovem) e os chilenos María Gracia Omegna (Dra. Nádia, terapeuta que tem a difícil tarefa de fazer a avaliação psicológica de um dos antigos integrantes do grupo) e o experiente ator Jaime Vadell (aqui, dando o “physique du role” exato, como um diretor profissional, astuto, sábio e maldoso). Também estão corretos Gabriel Urzúa (como um perigoso jovem desequilibrado) e Marcelo Alonso (outro psicopata). Parágrafo à parte para Mercedes Morán, conhecida atriz argentina. Sua tarefa é excelente. Com momentos muito elaborados, gestos cuidadosamente pensados e executados diante da câmera. Aquela rejeição que podem provocar as atitudes e ações de Patria y Libertad, com Morán – a já madura e bem-sucedida Inés – chega a um ponto maior ainda. Ao mesmo tempo, essa atuação produz admiração. Isso em vários momentos e, muito especialmente, na cena final do filme, onde texto e representação estão perfeitamente vinculados. Lá, nessa cena final e, em particular, no último gesto, resumem-se o pretenso – e, também, autêntico – bom gosto cultural e, em modo simultâneo, seu cinismo e desprezo de “os que mandam”, uma classe que se sente superior e que tem imposto tal índole a sangue e fogo, contra os marginais, pobres, oprimidos ou como queiram ser chamados. Aranha é um título próprio destas últimas décadas do cinema chileno, contra o militarismo golpista desse país e a classe social que representou. Está bem concebido e realizado, e tem atuações que o consolidam.

Imagens fornecidas pelas assessorias ou retiradas da internet para divulgação/Biografias usadas são da IMDB
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 Dúvidas, sugestões, parcerias e indicações: contato.parsageeks@gmail.com

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