sábado, 19 de abril de 2025

Crítica Cinema | A Mais Preciosa das Cargas

(Animação para adultos, com muita humanidade e, paradoxalmente, também, muito sofrimento e dor)


A Mais Preciosa das Cargas é uma animação. Quando o eventual espectador fica sabendo disso, se não tem mais informações, o mais provável é que imagine se trata de obra destinada preferentemente às crianças. Assim como as de Walt Disney (ele mesmo e os continuadores na sua empresa) e Hanna Barbera, as mais recentes da Pixar e DreamWorks e os anime japoneses (com aclamados diretores como H.Miyazaki, Y. Kondo, K. Otomo, I. Takahata, M. Ôsoda).

Porém, também há outras produções animadas, com relatos dramáticos, policiais, para adultos (‘Fritz the Cat’ - 1972 -) etc. “A Viagem de Chihiro” (2001) e “As bicicletas de Belleville” (2003) são exemplos de animações recentes que evidenciam uma nova perspectiva para esta técnica cinematográfica (‘técnica’ porque não é um gênero, mas um meio de criar filmes). Deve ser lembrado que, em épocas remotas, os contos populares eram histórias verbais e tinham um caráter crú, com tramas densas e situações cruéis e violentas. Já na Europa central ocidental dos séculos XIX e XX aparecem autores como Charles Perrault, os Irmãos Grimm e Hans Christian Andersen, que procuram amenizar essas histórias. As mesmas, muitas vezes, acontecem nos bosques, onde residem o medo, o desconhecido, o inesperado e o proibido.

Nesta ocasião, A mais preciosa das cargas é uma animação francesa dramática, para público adulto, que se aproxima parcialmente a aqueles contos, em um ambiente mais atual, onde há hostilidade, dureza e inimigos mais modernos.

Inicia-se com um relato sobre obras da literatura que se ocupam da relação de pais com filhos. Em particular, menciona o conto “O Pequeno Polegar”, onde os pais, lenhadores pobres, abandonam o seu filho por não ter recursos suficientes para alimentá-lo. Antecipa que, nesta oportunidade, vai ser apresentado o contrário: a história de pais que, embora também pobres, protegem uma criança.


Esse relato conduz toda a trama e tem a voz do falecido Jean-Louis Trintignant, em seu último trabalho, tendo sido ator em centenas de títulos e ganhador de prêmios em todos os principais festivais internacionais de cinema. Essa narração, que se passa em região boscosa e época invernal da empobrecida Europa central, durante a Segunda Guerra Mundial, diz que eles eram muito necessitados, mas não tinham filhos, o que ajudava um pouco a que a carga da vida fosse menos pesada. A primeira imagem mostra uma mulher em meio à neve, em um local rural, procurando e carregando elementos que ajudem na sua subsistência e a de seu marido. A luta é contra a fome e a pobreza, que estão presentes nessas vidas.

De pronto, inesperadamente, na floresta se escuta o que parece ser o choro de um bebê. De fato, o pranto fica mais claro e a mulher o procura até achá-lo. Encontra uma bebezinha e a leva, com carinho, até sua casa. A partir daí protegerá a criança com prazo indeterminado, brigando inicialmente com o esposo, que rejeita qualquer possibilidade que esse ser fique com eles.

Aparecem trens passando sucessivamente pelo local, como um elemento que parece apenas uma curiosidade mas que, posteriormente, vai ter um papel importante. Há um detalhe que passa rápido, em forma quase subliminar, mas que o espectador atento vai perceber e entender como um anticipo do que está acontecendo.

Aos poucos a história virará e a trama transitará por rumos em geral densos e inesperados. O nó está na explicação de como essa pequenina foi parar no inóspito local onde foi achada. Longe das crenças iniciais da lenhadora/mãe adoptiva, que achava era um presente das forças da terra, dos céus e do sol, tratava-se de uma situação extremamente dramática, com uma decisão humana terrível. Faz lembrar a “A Escolha de Sofia” (1982) e as imagens que virão depois parecem parcialmente inspiradas na impressionante pintura “O grito” (de Edvard Munch, 1983), que refletem pânico, ansiedade e temor. Imagens que se demoram muito na tela do cinema, tentando acentuar o horror, de um modo que pode considerar-se excessivo.

Instinto de vida e instinto de morte - como definia o psicanalista Freud - estão presentes. No final, depois de um longo percurso (embora a duração seja de apenas uma hora e vinte e um minutos), uma parte do filme fica compreensível e se inscreve no intuito inicial de pessoas que ajudam aos outros, superando suas próprias adversidades da vida e contrastando com a crueldade de outros. Porém, a narração final, que demarca toda a produção, deixa perguntas em aberto sobre a Segunda Guerra Mundial e os dolorosos fatos decorrentes dela.

A música composta e dirigida pelo prolífico e excelente Alexandre Desplat, que fez centenas de trabalhos e ganhou dois prêmios ‘Oscar’, mais os efeitos de som e todo o desenho gráfico, ajudam a dramatizar mais a trama. A Mais Preciosa das Cargas é uma animação que pode ser definida como tremenda, com elementos muito humanos e, também, com apresentação de situações violentas, cruéis e até macabras.


Sinopse oficial: 
Um pobre lenhador e sua esposa viviam numa grande floresta. Frio, fome, pobreza e guerra tornavam suas vidas difíceis, até que um dia a mulher resgata um bebê. Jogada de um dos muitos trens que passam constantemente pela região, 'a mais preciosa das cargas' transforma a realidade do casal e de todos que cruzaram o seu caminho — incluindo o homem que a lançou do trem. Alguns tentarão protegê-la, custe o que custar, e sua história irá revelar o pior e o melhor da humanidade. Competição principal Cannes 2024. Direção: Michel Hazanavicius. Estreia nos cinemas brasileiros, 17 de abril de 2025 pela Paris Filmes.

Imagens fornecidas pelas assessorias ou retiradas da internet para divulgação/Biografias usadas são da IMDB.
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 Dúvidas, sugestões, parcerias e indicações: contato.parsageeks@gmail.com

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