sexta-feira, 19 de janeiro de 2024

Crítica Cinema | Segredos de um Escândalo

(Um filme sobre impulsos, contado de forma mediana)


Produção dramática, intimista, conforme os padrões conceituais e estéticos do cinema estadunidense típico. Para os que têm longa memória, poderia ser associado, por exemplo, a Gente como a Gente (“Ordinary People”, de 1980). Claro que não no conteúdo, mas sim pela forma de criar o ambiente, situar e relatar a trama. Ou seja, não pela problemática, e sim pela estética utilizada.

Este novo produto é muito cuidadoso, criterioso, sobretudo, na direção de arte (Eric Dean), na decoração (Jess Royal) e na fotografia em geral (ainda que sem alto voo criativo). Ao mesmo tempo, apresenta situações tensas. Isto, com uma armação por meio da montagem, também clássica, ainda que em alguns momentos, com flash-backs - visuais e verbais - importantes para entender o acontecido e o que os personagens estão vivendo no presente.


Trata-se de revisitar um caso que foi famoso na opinião pública dos Estados Unidos vinte anos antes da produção do filme que é retratado em Segredos de um Escândalo. Gracie (Julianne Moore), mulher casada e com filhos, teve uma relação com um adolescente de apenas 13 anos de idade. Agora, Elizabeth (Natalie Portman), uma jornalista que aceitou participar como protagonista em um filme sobre tal assunto, decidiu pesquisar o ocorrido para conhecer e representar melhor o seu papel.

Irá, então, à casa do casal e da família e se defrontará com eles. Conversará e até conviverá ocasionalmente. E Elizabeth, já no início, falando com Gracie e referindo-se ao acontecido no passado, e ao filme futuro, dirá: “Esta é uma história complexa e muito humana”. Ao mesmo tempo, esta resulta ser uma autodefinição de Segredos de um Escândalo. Esta mesma duplicidade de significados caracteriza este filme.


E a mencionada visita de Elizabeth derivará em acontecimentos e emoções intensas, vinculadas com aquela situação inicial. A identificação com Gracie (ou será mútua?) se acentuará ao ponto de fazer juntas tarefas domésticas, culinárias, de cosmética, etc. e ter momentos de aproximação de alta sensualidade. A composição da fotografia, com absoluta simetria, ajuda a perceber tal identificação entre ambas. Essas cenas estão retratadas com planos cinematográficos muito sugestivos, em especial uma, plena de erotismo contido, onde uma das mulheres maquia a outra.

Por outra parte, a dimensão sexual irá permear Elizabeth em todo o percurso e de diversas maneiras. As recomendações ou pedidos que todos aqueles que ela vai conhecendo (com frases, como: “seja considerada”; que os realizadores “digam o que realmente aconteceu”) são, como dito, um ponto importante no relato, pois há uma dupla dimensão: a do filme que vai ser realizado na ficção, e a própria, de Segredos de um Escândalo.

A criação de um filme dentro de um filme (neste caso, o primeiro é o que se está elaborando para ser rodado em breve, e o segundo este mesmo, que estamos assistindo) e como os atores reagem a isso não é a primeira vez que é apresentado em cinema. Por exemplo, faz lembrar A Mulher do Tenente Francês (1981), de Karel Reisz. A construção do roteiro em Segredos de um Escândalo não aborda de maneira nova um recurso já utilizado antes.

O assunto central é tentar entender o que impulsionou Gracie a vincular-se com esse rapaz, ao ponto de ter relações sexuais, e que isso derivasse em um escândalo nacional. Isso é respondido pela própria personagem de forma que pode fazer refletir, não só sobre essa situação (e outras similares), mas, em geral, sobre tantas outras atitudes e decisões humanas.

O roteiro é irregular, ainda que com momentos interessantes. Inclusive, apresenta diversas afirmações singulares, como a já mencionada, de ser necessário manter o cuidado, a veracidade, sobre o caso real acontecido (no próprio Segredos de um Escândalo, e, também, no filme que será realizado sobre o caso). Outra afirmação é a de que “não se devem criar expectativas para, assim, nunca se decepcionar”. Porém, como dito no início deste comentário, embora haja toda uma tentativa de equilíbrio e cuidado formal, também há certa complexidade que emaranha o relato.

Alguns elementos têm significado, mas não estão devidamente explicados, provavelmente pelo fato dos roteiristas (Samy Burch - a principal - e Alex Mechanik) estarem realizando, respectivamente, seu primeiro trabalho de longa metragem. Por exemplo, o uso que faz Elizabeth de um nebulizador (aparelho que vaporiza, facilitando a respiração) não está completamente claro. A personagem utiliza o aparelho de modo crescente - a asma é complicada, mas não se esclarece totalmente por qual motivo aparece aqui -. Ou, ainda mais difícil de compreender, o significado da última sequência ou, melhor dito, da cena derradeira. Bem atuada, mas compreensível somente de forma parcial. Na realização participaram, com as características já apontadas, os experientes profissionais brasileiros, paulistanos, Christopher Blauvelt a cargo da fotografia, e Affonso Gonçalves, com a edição.


Marcelo Zarvos, compositor e supervisor musical, realizou boas escolhas e a música prevaleceu em diversas passagens, o que pode ser entendido como uma “faca de dois gumes”, pois, em cinema, a música deve acompanhar, mas, em geral, não deve se impor perante a imagem. Seria bom perceber e avaliar com calma qual a dimensão que predomina nesta ocasião.

Para, em alguma medida, compensar o anterior estão as atrizes, de muito boa representação, tanto Natalie Portman como Julianne Moore, especialmente esta última. O diretor é Todd Haynes, em seu décimo trabalho em longas e retorna, mais uma vez, com um assunto polêmico, como já o fez em Longe do Paraíso (2002), também com Julianne Moore, onde apresenta a questão racial nos Estados Unidos e a homossexualidade, na década de 1960. Agora, sem ser brilhante, faz valer sua experiência. Segredos de um Escândalo é sobre sentimentos, paixões, impulsos humanos. Há complexidade, conta com boas atuações, e o resultado é intermediário, pois é correto, sem chegar a ser elevado artisticamente.


Sinopse:
Vinte anos após seu romance midiático virar assunto da nação; um casal (Julianne Moore e Charles Melton) é colocado sob pressão quando uma atriz (Natalie Portman) viaja até seu lar para se preparar para um filme sobre o passado deles. Seleção oficial do Festival de Cannes de 2023. Direção de Todd Haynes. Estreia 18 de janeiro nos cinemas brasileiros pela Diamond Filnms do Brasil.

Imagens para divulgação fornecidas por assessorias ou retiradas da internet 
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