quarta-feira, 11 de setembro de 2019

Crítica Cinema | Quem Você Pensa que Sou

(Filme atual, com assuntos para refletir enquanto se desfruta)


Sinopse: Desconfiada de seu marido Ludo (Guillaume Gouix), Claire Millaud (Juliette Binoche), de 50 anos, decide criar um perfil falso em uma rede social. Lá, ela atende por Clara, uma bela jovem de 24 anos. Alex (François Civil), amigo do seu marido, é uma das pessoas com a qual o avatar interage. O homem acaba se apaixonando por Clara, enquanto Claire, por trás das telas, também nutre um sentimento de amor por Alex. Apesar de tudo se desenrolar no mundo virtual, as emoções evocadas são bastante reais, e podem trazer complicações para ambos. Elenco ainda conta com Nicole Garcia, entre outros. Drama francês dirigido por Safy Nebbou, com distribuição nacional da Califórnia Filmes.

Quem Você Pensa que Sou (Celle que Vous Croyez)


A conhecida atriz francesa Juliette Binoche (possui vários títulos famosos principalmente a partir da década dos ’90) nos deleita com sua atuação neste filme. Com muitos planos próximos, transmite muito bem as intenções e emoções de seu personagem (Claire Millaud / Clara Antunès). Não menos persuasiva é a também veterana Nicole Garcia (como a Dra. Catherine Bormans). Difíceis os dois papeis, elas constroem um relato extremamente atual, envolvente e até reflexivo nas entrelinhas. É o caso de uma mulher divorciada que, com uns 50 anos de idade (praticamente a mesma da atriz), decide incursionar no mundo dos contatos virtuais para conhecer um homem. Ela cria um perfil no Facebook com tal finalidade, só que em modo bastante consciente, mente com relação à idade (finge ter 24 anos). A mentira acrescenta-se à medida que as perguntas do rapaz interessado se sucedem. Mas, como ela é professora de literatura, sabe expressar-se, utilizar a linguagem.


Simultaneamente, ela continua com sua psicoterapia. Mas acontece que seu terapeuta teve um problema de saúde e deve ser substituído por uma colega, a Dra. Bormans, psiquiatra que vai fazer este trabalho de psicóloga. Nessas sessões vão ficando claras algumas das características desse aparentemente insignificante jogo. E isso nos faz perceber que estamos diante de uma situação bem corriqueira nos dias de hoje: muito do que se diz nas redes sociais, em particular quando se fazem afirmações sobre si mesmo, é falso. Mentir é uma condição muito humana. Mas neste caso, como bem adverte a terapeuta, não é apenas uma mentirinha e sim algo bem complexo, com motivos profundos e consequências sérias. Cabe dizer que o rol da terapeuta, além de estar muito bem representado por Nicole Garcia está construído cuidadosamente pelos roteiristas Julie Peyr e Safy Nebbou, também diretor. Esse personagem oscila entre forças psicológicas poderosas, para manter a calma e uma imprescindível neutralidade por um lado e um envolvimento humano com sua paciente por outro. Aliás, Nebbou soube não apenas criar essa figura mas, principalmente, a de Claire/Clara, a protagonista. Mais precisamente, o filme todo, pleno de nuances, principalmente com implicações psicológicas. O retrato da mulher já madura (a sempre atraente Binoche), forçada diante do passar do tempo e da solidão é interessantíssimo.


Essa procura de ser bonita e observada, jovem e linda, sentir-se viva, pode ter algo de desespero e leva ao risco de ser descoberta, à falta de coragem para deixar em evidência qual é a verdade (a verdadeira Claire), diante do outro e diante de si própria. Ao fim de contas, é bem provável que alguma dor virá. A mentira é útil até certo ponto; se vira contra o mentiroso quando descoberta. E, antes, conduz a puro egoísmo e a ser perversa com os demais. Quem Você Pensa que Sou resulta bem atual, com um desfile próprio da chamada “modernidade” (uso de celulares, redes sociais, Internet – como Facebook, WhatsApp e Google -, Uber, etc.). Mas, ao mesmo tempo, com questões pertinentes sobre tudo isso e mais: sexo, felicidade, ansiedade, passar do tempo, salários baixos – “Não ganho nem o sal que como”, curiosa afirmação que, indiretamente, pode fazer lembrar que ‘salário’ deriva de sal, que foi a primeira forma de pagamento. E a afirmação “Eu sou diferente” que, inesperada e paradoxalmente, iguala a aqueles que pretendem fugir da mesmice. A isso se pode acrescentar que o filme oferece dois possíveis desfechos, embora no final prevalece uma das opções.


Este novo título do cinema francês atual tem um nível elevado, que o equipara a outros (O Mistério de Henri Pick, de Rémi Bezançom; O Professor Substituto, de Sébastien Marnier), [veja críticas neste mesmo site] tanto em direção e roteiro quanto nos itens técnicos e de atuação. Embora seja cedo e os exemplos ainda em números não totalmente definitivos, parece que estamos diante de uma etapa bem promissória desta cinematografia. Sem ser uma obra genial, sem grandes pretensões. Quem Você Pensa que Sou (note-se que o título é afirmativo, não uma pergunta), consegue entreter, com bom ritmo (edição de Stéphane Pereira), boa música (de Ibrahim Maalouf) e correta fotografia (Gilles Porte). Também, da margem para apresentar diversos temas (a mentira, as contradições humanas, os desafios do mundo atual, a juventude que já foi), e pensar sobre os mesmos. Bom roteiro e direção, boas atuações, muito bom filme.

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